ChatGPT, Bing e Google Bard não passam despercebidos quando o assunto é inteligência artificial (IA) ao alcance de um click na internet – principalmente se os comandos forem em inglês. Em português, porém, não é tão eficaz: com as maiores empresas do ramo sediadas nos EUA, nossos bancos de dados com informações sobre Brasil e em língua portuguesa acabam ficando em segundo plano. Esse é o cenário que desenvolvedores e pesquisas acadêmicas encontram como desafio para “abrasileirar” uma IA que está na boca do povo, mas ainda não fala bem o português.
Ensinar esse tal “brasileirês” para uma inteligência artificial não é uma tarefa simples. O brasileiro não tem uma comunicação tão direta e literal quanto outros povos, como os americanos ou europeus, ao mesmo tempo em que tendemos a usar bastante a voz. A startup Fintalk se dedica à tarefa de treinar IAs a entender o que as pessoas querem dizer quanto se comunicam com empresas como C&A, Stone, Sky, Avenue, Cimed, Brinks e Bluefit Academia, que são seus principais clientes atualmente.
“A maneira como as pessoas falam no Brasil é prolixa e longa. É complicado para a IA entender a maneira como a comunicação do brasileiro dá voltas em vez de dar apenas respostas objetivas. O desafio no País é entender o que está por trás de tudo que foi dito. É preciso fazer adaptações importantes na IA para que ela atenda ao público brasileiro”, diz Luiz Lobo, sócio da startup de inteligência artificial Fintalk.
Com a tecnologia oferecida pela startup, as empresas podem atender aos clientes com uma jornada assíncrona, ou seja, que não precisa ser em tempo real. Pode começar de manhã, continuar à tarde e só terminar à noite, tudo depende da disponibilidade do consumidor. Isso permite que não só a IA entenda o que é dito ou escrito, mas também que o cliente não precise ficar “refém” dos processos burocráticos de atendimento do passado.
A IA, como tecnologia, entretanto, não surgiu com o ChatGPT. Iniciativas de automação e assistência virtual existem há anos e foi com elas que a necessidade de adaptar esse tipo de tecnologia para o Brasil e para o nosso idioma surgiu. A Amazon, por exemplo, investiu em um “abrasileiramento” de sua assistente virtual, a Alexa. Depois do crescimento do serviço por aqui, a empresa entendeu que a forma como pronunciamos as palavras em inglês, ou mesmo os sotaques e a velocidade com que falamos interfere na hora de pedir alguma coisa para as famosas caixinhas conectadas.
Por isso, a companhia treinou sua IA para que frases como “good night” se tornassem “gudi naiti”, simulando um pouco de como os sotaques podem variar ao falar em diferentes línguas.
“Desde o início, a gente teve essa preocupação de, não ser só uma experiência traduzida dos Estados Unidos, mas sim algo pensado para o brasileiro. E isso se passa por, desde o real modelo de inteligência artificial e de entendimento da linguagem, da forma de responder até as diferentes formas de falar, diferentes vocabulários, inclusive o sotaque em inglês”, explica Talita Taliberti, chefe de Alexa no Brasil.
A iniciativa, entretanto, não tem partido apenas das empresas privadas. Uma vertente importante para o desenvolvimento de uma IA brasileira passa pelas pesquisas acadêmicas, conduzidas nas universidades. Mesmo com verbas reduzidas, é por lá que projetos de bancos de dados ganham forma para trazer a tecnologia para mais perto do dia a dia do brasileiro.
Um desses projetos é o Recod.AI, laboratório de estudos em IA da Unicamp. Liderado pelo professor Anderson Rocha, o grupo já possui cerca de 260 colaboradores em todo o mundo, sendo o maior laboratório do tipo na América Latina.
“Quando pensamos em inteligência artificial, sabemos que é uma tecnologia global. Só que ela tem as suas nuances e suas necessidades locais”, afirma Rocha. “Desenvolvemos tanto pesquisas que têm interesse global, quanto pesquisas que são de interesse nacional, relacionadas ao bem estar com uso de dados”.
Um dos pontos levantados por especialistas é que o desenvolvimento de processos de inteligência artificial, seja de LLMs (Large Language Models) ou de banco de dados, requer uma infraestrutura bastante cara. Sem os recursos, convertidos em computadores, capacidade de processamento e nos próprios processos de obtenção dos dados, é quase inviável ter versões completamente brasileiras no setor.
Para Bruno Bioni, diretor fundador do Data Privacy Brasil, uma das alternativas para melhor viabilizar recursos para fomentar o desenvolvimento de IA aqui no Brasil é por meio da regulação da tecnologia. O movimento, segundo ele, é necessário para sustentar o sucesso do setor a longo prazo.
“É uma inovação e um desenvolvimento que necessariamente pensa a médio e longo prazo. Se (a IA) não tiver nenhuma regulação, não vão ser tomados certos cuidados. O desenvolvimento (sem regulação), será mais rápido? Será. Mas também será possivelmente mais danoso e, por conta disso, não será um desenvolvimento sustentável”, explica Bioni. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.