Pelo menos 36 milhões de vacinas compradas pelo governo Bolsonaro foram herdadas pela gestão Lula já vencidas ou prestes a perder a validade, sem prazo suficiente para o uso. Como resultado, o Ministério da Saúde incinerou essas doses no primeiro semestre deste ano, numa média de 200 mil doses descartadas ao dia.
Um levantamento mostra que, de janeiro a junho, foram incineradas 36,6 milhões de doses de imunizantes. A cada 10 doses de vacina descartadas, nove venceram ainda em 2022 ou até março deste ano.
Do contingente total, 66% das vacinas são de Covid, com 24,3 milhões de doses. Em seguida, com 15%, a vacina tríplice, ou DTP (difteria, tétano e coqueluche), com 5,6 milhões de doses. A vacina contra febre amarela, com 3,3 milhões de doses incineradas, representou 9% do total.
Também foram descartadas vacinas contra raiva canina; BCG (tuberculose grave); hexavalente (difteria, tétano, coqueluche, poliomielite, hepatite B e Hib); catapora; tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e catapora); e cólera.
Todas essas doses destruídas foram compradas pelo governo de Jair Bolsonaro, que fazia ataques públicos à vacinação contra a Covid, na contramão de regras sanitárias básicas e internacionais.
Distribuição
Na distribuição de vacinas, o Ministério da Saúde precisa entrar em contato com estados e municípios, que nem sempre têm estoques com grande capacidade. Outra dificuldade é o tamanho continental do Brasil e o custo para transportar esses insumos.
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que conseguiu salvar outras 12,3 milhões de vacinas com ações emergenciais neste semestre, obtendo uma economia de R$ 251 milhões. A pasta ressaltou que retomou campanhas de vacinação, negociou doações humanitárias e criou um comitê permanente para monitorar os estoques.
“O Ministério da Saúde reitera o seu compromisso com o bem público e reforça que o esforço na utilização e distribuição dos insumos de saúde é um ato de respeito à população e responsabilidade com o povo brasileiro”, completou.
Queda histórica
Nos últimos anos, a taxa de vacinação no país caiu a índices alarmantes. Até 2014, a cobertura vacinal passava de 90%. Em 2017, o Brasil ostentava a segunda maior cobertura vacinal infantil do mundo.
Já em 2021, com Bolsonaro trabalhando abertamente contra a confiança em vacinas, só 60% das crianças foram imunizadas contra hepatite B, tétano, difteria e coqueluche. No ano seguinte, o Brasil entrou para a lista dos 10 países com mais meninos e meninas com o cartão de vacina atrasado, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, o Ministério da Saúde resistiu a lançar campanhas de vacinação. No fim de 2020, na pandemia, o então ministro general Eduardo Pazuello reclamou da cobrança por vacinas. “Para que essa ansiedade e essa angústia?”, disse no Palácio do Planalto, sem máscara, a exemplo de Bolsonaro e auxiliares.
O desdém à imunização era a tônica do ex-presidente. “Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa [dizendo]: ‘Vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe“, disse Bolsonaro em 2021. No ano anterior, disse, em um discurso contra a vacina: “Se virar jacaré, é problema seu”.
Campanhas
O Ministério da Saúde escolheu a Região Norte para antecipar campanhas de multivacinação, com vistas a recuperar o atraso na imunização. Os horários de vacinação foram ampliados, e profissionais de saúde foram enviados a áreas de difícil acesso.
Para reverter o cenário dos últimos anos, a pasta aposta em outras duas estratégias. A primeira é melhorar a negociação com estados e municípios para melhorar a distribuição das vacinas, especialmente dos insumos perto do vencimento. A outra é a criação de um comitê que acompanha a compra e o armazenamento de insumos médicos. O grupo produzirá relatórios bimestrais e pode se reunir a qualquer tempo.
Segundo a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, o Brasil desperdiçou R$ 2,2 bilhões em insumos estratégicos, como vacinas, no governo Bolsonaro.