O Rio Grande do Sul ainda sofre com os efeitos da pior catástrofe de sua história, com desafios econômicos, sociais e ambientais associados às enchentes de maio. Dentre os impactos no longo prazo está a migração de pessoas para fora do Estado, aponta um estudo realizado pela Universidade de Passo Fundo (UPF) em parceria com o Instituto Data Research & Insights.
Conforme o levantamento, a tragédia deve incentivar um movimento migratório de trabalhadores da região para outros estados. Foi analisado o impacto do desastre em 19 setores, bem como sobre a demanda da região. No documento (acessível por meio do site upf.br) os pesquisadores destacam uma queda de 1,84% na demanda geral no Estado, o que representa uma redução de R$ 18,1 bilhões no consumo.
Ou seja: um valor que deixa de ser injetado na economia local. Além disso, conforme a análise, na área da produção, é possível verificar perdas de ao menos R$ 35,6 bilhões, causando um declínio de 150 mil postos de trabalho no Rio Grande do Sul, sendo que 67 mil são no comércio.
O ex-docente da UPF Marco Antônio Montoya é um dos autores do estudo. Ele ressalta: “Quando se observa padrões de comportamento em tragédias como essa, a exemplo do que ocorreu com o Katrina, nos Estados Unidos. a primeira reação é o gesto solidário, com todo mundo se ajudando. Mas o segundo momento é marcado pela migração de famílias por uma série de circunstâncias. Ele também destaca que há ainda um terceiro momento, no qual as próprias empresas vão para outras regiões.
Ainda segundo ele, ao olhar a complexidade e as consequências da destruição, surge uma necessidade de reconstruir as cidades pensando em eventos climáticos extremos. Neste sentido, para ele, é inevitável que muitas pessoas busquem uma nova vida em novos lugares, da mesma forma que é fundamental que os governos façam um esforço estratégico para que as pessoas não mudem de Estado:
“O ideal seria as famílias migrarem para outras regiões dentro do Rio Grande do Sul para que não se perca o capital humano necessário para a reconstrução do sistema econômico do Estado. Esse é um dos perigos desses eventos climáticos de grande porte”.
Medição
Para calcular o impacto da tragédia na atividade econômica, os pesquisadores extraíram informações de entidades de vários setores como a Abicalçados (Associação da Indústria de Calçados), Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), além de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ao dividir os principais setores, a pesquisa identificou uma queda de 5,09% na demanda final da agropecuária em abril e maio. Na indústria, o declínio foi de 1,81% e em serviços a perda de demanda chegou a 1,36% no período do auge das inundações. Em valores, isso significa que houve uma perda de R$ 18,1 bilhões em demanda no Rio Grande do Sul em abril e maio.
Como consequência desses dados, no mercado de trabalho, o setor agregado que mais sofreu o efeito no Estado foi o de serviços (74,5% do impacto), seguido por indústria (19,1%) e agro (6,2%). O maior temor, salienta, é que as dificuldades no processo de reconstrução desanimem os empresários locais, principalmente os de pequeno e médio porte, que podem acabar migrando em um futuro não muito distante.
“Reconstruir um Estado sem capital humano, ainda mais em uma região qualificada, com empresários e empreendedores saindo para outros Estados, pode acabar se tornando uma recuperação econômica que durará décadas. Precisamos olhar com estratégia para isso e fazer algo a respeito”, destaca Montoya.
Segundo Pedro Muller, professor da UPF e sócio do Instituto Data Research & Insights, a migração de trabalhadores e, principalmente, de empresários gaúchos poderá ser acelerada ou desacelerada de acordo com a perspectiva da comunidade em relação aos auxílios financeiros governamentais:
“A clareza sobre a eficácia das medidas é fundamental. Quanto menos perceberem os resultados, maior a possibilidade de saída para outros Estados ou regiões fora do Rio Grande do Sul. O crédito mais barato oferecido por meio do governo federal e de bancos multilaterais pode ser uma saída, mas insuficiente para evitar migração de empresas, pois muitos empresários já estavam comprometidos com o pagamento de investimentos anteriores”.
Muller finaliza: “Pega a Selic alta a 10,50%, e muitos empresários já vinham alavancados. No aspecto financeiro, mesmo com o auxílio do governo, pode haver uma percepção que acelere o processo migratório”.
Para os pesquisadores, uma forma de conter o movimento indesejado seria uma maior oferta de ajuda a fundo perdido. “Mais do que nunca, para reconstruir o Estado, precisaremos do capital humano que o Rio Grande do Sul tem e que foi atingido. Se isso não for feito, o Estado vai empobrecer”, conclui.