Pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que procuravam atendimento em postos de Nova Hartz seriam encaminhados para consultas e exames particulares, mediante pagamento.
O Grupo de Investigação (GDI) da RBS teve acesso a guias para procedimentos com o suposto convênio da prefeitura do município da Região Metropolitana com clínicas e hospitais, em que os pacientes pagariam, do próprio bolso, pelos atendimentos que deveriam ser gratuitos.
O município suspendeu os encaminhamentos após a apuração do GDI. Veja abaixo o que diz a prefeitura.
Uma mulher que prefere não ser identificada levou o filho pequeno, diagnosticado com autismo, a um posto de saúde buscando atendimento com um neurologista. Ela conta que ouviu de um funcionário que não havia um profissional da área na cidade e que, em vez de ter que levar a criança para atendimento em outro município, ela deveria pagar pelo serviço em Nova Hartz.
A mulher saiu do posto com uma guia de exame. No documento, consta a marca do SUS e da cidade de Nova Hartz, com a indicação de uma parceria do município com uma clínica. A mãe foi orientada a ir até a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), onde teve a folha carimbada, ganhando apenas um desconto para a consulta. O valor pago saiu do próprio bolso.
"Eles falaram que não tinha neuro pelo SUS, que era só convênio. Daí eles me deram papel que dizia um número, falaram pra ligar para aquele número. Eu tive que pagar lá na clínica, e deu R$ 220" , conta.
O Ministério da Saúde e o Conselho Estadual da Saúde (CES) afirmam que essa prática é irregular. Todos os atendimentos e tratamentos via Sistema Único de Saúde precisam ser de graça.
"O SUS, ele não cobra nenhum centavo. Se, por algum motivo, nesse município não tiver esse tipo de serviço, é feita pactuação a nível estadual ou a nível federal para que seja coberto esse serviço. O usuário nunca paga, nem que seja 50 centavos, nem R$ 1, nada. Não tem nenhuma coparticipação, nunca. Isso é ilegal, é crime", diz Inara Ruas, presidente do CES.
O diretor do Departamento de Auditoria do SUS, Bruno Naundorf, explica que o cidadão tem direito de ressarcimento desse valor e que quem cobra por esses atendimentos pode ser punido.
"Todo o paciente que tiver tido o valor cobrado dentro do Sistema Único de Saúde deve fazer essa denúncia. Nós temos a obrigação, faremos a avaliação do caso e, tendo essa comprovação, o prestador poderá ser punido com as penas previstas na lei, na auditoria, e o usuário também poderá ter o ressarcimento desse valor, se pago indevidamente", afirma.
O departamento vai apurar o caso de Nova Hartz. Desde 2022, pelo menos nove casos de cobranças indevidas pelo SUS foram identificados no estado.
O que diz o município
A RBS TV procurou a Secretaria Municipal da Saúde para buscar explicações. O titular da pasta, Adrião da Silva, decidiu romper os contratos alegando que a prefeitura reviu a situação após o contato da reportagem.
"No momento em que vocês mesmo até estiveram aqui: 'Epa, vamos rever essa situação, é correto, não é? Vamos ver com parecer jurídico, vamos organizar esse trabalho de uma forma legal, que as pessoas possam ter acesso a um desconto, já que têm que se deslocar a outros municípios para fazer esse tipo de exame", argumenta.
A Prefeitura de Nova Hartz afirma que o convênio com algumas clínicas particulares era algo informal e que não tinha nem contrato para a prestação do serviço.
"Esse tipo de trabalho que a gente tinha era feito por nós numa questão tão normal e sem maldade alguma, que, na verdade, a gente sempre fez e a gente acabou fazendo, quando a gente viu vocês [a reportagem da RBS TV] ali na frente e soube do que se tratava. Foi quando a gente parou, então, para pensar até que ponto o que estávamos fazendo errado e o que não estávamos. Foi a partir desse momento, que a gente começou a ir atrás do jurídico e nos questionar sobre isso", afirma Cíntia dos Santos, coordenadora da SMS.
O secretário Adrião da Silva ainda diz que o pedido para o atendimento na rede particular partia dos pacientes, diferente do que foi revelado pela mulher ouvida pela reportagem.
"Quando o paciente chegava até nós e perguntava: 'eu quero fazer esse atendimento particular, eu quero'. Isso sempre partiu do paciente", justifica.
A prefeitura ainda alega que precisa transportar mais de mil pacientes para outras cidades para consultas com especialistas e que os recursos para o SUS são limitados.