Laudos médicos atestando doenças inexistentes teriam sido usados por um escritório de contabilidade para garantir isenção e restituição do pagamento do Imposto de Renda a aposentados no Rio Grande do Sul. Militares da reserva que dizem vítimas do suposto golpe e que eram inicialmente beneficiados agora estão sendo cobrados pela Receita Federal para devolver os valores à União.
Um dos laudos apontava que um militar com doenças cardíacas e intestinais tinha câncer de mama. Outro aposentado, com diabetes e hipertensão, aparecia com câncer.
Os militares procuraram um escritório após indicações de amigos. Depois que eram notificados pela Receita, eles reclamavam com o técnico em contabilidade Carlos Roberto da Rosa Júnior, que respondia com um vídeo, garantindo que era possível reverter a cobrança.
"A receita está, realmente, mais exigente. Nós temos várias outras ferramentas em termos de recurso até que, de fato, haja alguma situação que a gente tenha que se preocupar. Ou seja, até que tenha uma dívida tributária. Em regra, nós tivemos 100%, nesse último ano, de deferimento ou deferimento imparcial das impuganações", disse Carlos Roberto em um dos vídeos.
A Polícia Civil afirma que quatro ocorrências sobre o suposto golpe foram registradas, todas encaminhadas à Polícia Federal, que ainda não abriu inquérito sobre o caso.
Em nota, a defesa de Carlos Roberto da Rosa Júnior afirma que "se manifestará somente depois que tiver acesso integral aos autos da investigação, uma vez que não teve qualquer tipo de acesso ao inquérito policial até então e desconhece qualquer acusação em relação ao seu constituinte". Os advogados do técnico em contabilidade ainda afirmam que ele "está à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e contribuir com a investigação realizada".
O Conselho Regional de Contabilidade diz que não recebeu qualquer informação ou denúncia contra Carlos Roberto da Rosa Júnior, mas que está "abrindo expediente para acompanhamento da situação". Se for confirmado o cometimento de crimes contra a ordem econômica e tributária, o investigado pode sofrer pena de cassação do exercício profissional e censura pública.
Técnico em contabilidade Carlos Roberto da Rosa Júnior, suposto responsável pelos laudos — Foto: Reprodução/RBS TV
Câncer de mama
Um militar de Capão da Canoa, no Litoral Norte, recebeu quase R$ 80 mil retroativos de outros anos. Meses depois, ele recebeu uma notificação da Receita, contestando a documentação apresentada.
O órgão identificou nos papéis um laudo falso de doenças que o militar nunca teve: uma infecção nos gânglios linfáticos e câncer de mama, diagnóstico raro entre os homens. Na verdade, ele é paciente cardíaco e tem uma doença crônica no intestino.
"Os recursos, com certeza, vou ter que devolver. Eu não tenho dinheiro. A princípio, vou ter que fazer empréstimo bancário. O dinheiro que eu recebi, eu apliquei na minha casa, fiz uma reforma na minha casa", diz o militar aposentado, que prefere não ser identificado.
Ele contratou o servilo do escritório de contabilidade em setembro de 2022. Três meses depois, começou a receber da Receita Federal, de forma retroativa, os valores de volta. Parte da quantia, R$ 19 mil, foi paga ao escritório pelos serviços.
Laudo com falsos diagnósticos — Foto: Reprodução/RBS TV
Carro vendido
Um aposentado, em Passo Fundo, no Norte do RS, também contratou o escritório, buscando obter R$ 93 mil retroativos aos últimos cinco anos de Imposto de Renda. O militar, que também não quer ser identificado, disse que pagou R$ 24 mil em honorários ao técnico em contabilidade.
O aposentado sofre de diabetes e hipertensão crônica, doenças que não dão direito à isenção do IR, mas, no laudo, aparecia como se tivesse câncer.
"O atestado foi colocado que eu tinha um câncer. Não tenho, nunca tive", fala.
Depois de receber R$ 70 mil da Receita Federal, o militar foi notificado a devolver o dinheiro, porque o laudo emitido em nome do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), ligado à UFRGS, era falso. O militar já quitou parte dos valores, referente a três anos de imposto devolvido.
"Eu tive que vender meu carro", conta.
Falsificações 'grosseiras'
Uma investigação interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontou fraudes em 180 documentos emitidos por um órgão ligado à instituição.
"São falsificações de certo modo grosseiras. Alguns médicos que pretensamente assinaram esses laudos deram declarações pra nós aqui, inclusive, dizendo que não foram eles os responsáveis", afirma o corregedor da UFRGS, Claudio Moacir Marques Corrêa.
Isenção
Segundo a Receita Federal, são 16 doenças que garantem isenção do Imposto de Renda a aposentados.
A dica para quem procura o benefício é sempre conferir os documentos caso contrate um escritório ou consultoria. Para requerer a isenção, não é preciso intermediário.
"O que se recomenda é que, primeiro, ela procure o serviço médico, uma perícia oficial para obter o laudo, e aí procure a sua fonte pagadora. Inclusive, ela apresentando esse laudo perante a fonte pagadora, ela já vai deixar de ter retido o imposto na fonte", explica o superintendente-adjunto da Receita Federal no RS, Alexandre Rampelotto.