O advogado do homem negro que teve as mãos e os pés amarrados por policiais militares de São Paulo afirmou que o furto cometido pelo cliente teve valor "insignificante" e teve, como objetivo, a própria alimentação. O homem foi preso no último domingo depois de entrar num mercado da Vila Mariana, na Zona Sul da capital paulista, e levar produtos do local. Em entrevista ao GLOBO, José Luiz de Oliveira Júnior, da O & S Advogados, reprovou a conduta do cliente, mas classificou o furto como "famélico" e a prisão, desproporcional.
— Obviamente a gente não compactua com o crime, sob hipótese nenhuma, mas é preciso que as autoridades olhem para a questão social e para a questão da saúde pública. O direito penal não vai resolver os problemas da sociedade. Foi um crime de menor potencial ofensivo, de bagatela, de valor insignificante. Nem se sabe o que ele levou [do mercado]. Quando foi preso, ele só tinha um caixa de bombom. Foi pego comendo bombom. Ele furtou para comer — afirmou o advogado ao GLOBO.
Quatro agentes usaram uma corda para imobilizar o suspeito. Defensores de direitos humanos, como o Padre Júlio Lancellotti, e a própria Polícia Militar questionaram a abordagem, que foi filmada em parte. Mas a Justiça de São Paulo avaliou não ter havido tortura no caso e converteu a prisão do homem em preventiva, sem prazo para terminar, durante audiência de custódia na segunda-feira.
Oliveira Júnior diz não ter sido chamado para a audiência, na qual o cliente foi representado pela Defensoria Pública. De acordo com o boletim de ocorrência, o homem, de 32 anos, teria confessado o furto "de maneira informal" e não teria obedecido a ordem dos PMs para que ficasse sentado — por isso, segundo o boletim de ocorrência, teria sido "necessário o uso da força para algemá-lo". Ainda de acordo com o registro, o suspeito teria dito que "se levantaria e correria" e ainda "pegaria a arma dos policiais e daria vários tiros".
O advogado diz que a juíza responsável e o delegado desconsideraram o vídeo que flagrou a abordagem e também o relato da testemunha que a filmou.
— O relato dos PMs foi absolutamente parcial. Afirmaram que ele disse que tomaria a arma dos policiais para fazer igual aconteceu na Zona Leste [onde um suspeito reagiu e baleou dois agentes], naquela abordagem desastrosa da polícia. Que resistência ele poderia oferecer contra quatro policiais? Era impossível. Depois dessa abordagem mal-sucedida na Zona Leste, quer dizer que agora pode amarrar todas as pessoas? É você não respeitar a dignidade do indivíduo pelo fato de ele ser negro e pobre. Alguém precisa gritar contra isso — questiona o advogado.
Para Oliveira Júnior, os policiais poderiam ter algemado os pés do cliente, de maneira que ele pudesse andar, mas não correr. Diante das circunstâncias da abordagem e do caso, o advogado entrou com um pedido de soltura do cliente, via habeas corpus, na Tribunal de Justiça de São Paulo. Ainda não houve decisão. O advogado afirma que vai processar os agentes por abuso de autoridade e também vai entrar com uma ação cível contra o Estado.
Na avaliação do defensor, houve excesso das autoridades nas acusações de associação criminosa e corrupção de menores, além do furto.
— O fato de haver um adolescente com ele no caso não desonera o princípio da bagatela. As autoridades desconsideraram que esse menor foi corrompido pela própria realidade que vivencia, pelas pessoas que estão em torno dele. A maioria é usuário de drogas, que vive em condições sociais totalmente vulneráveis. Outra questão foi associação criminosa. Então todos os que estão na Cracolândia estão numa associação criminosa? A questão é de saúde pública, não de direito penal — reforçou o advogado, segundo quem o cliente estava em situação de rua quando foi detido.
Na audiência de custódia, a Justiça avaliou não haver elementos que permitiam concluir "ter havido tortura, maus-tratos ou ainda descumprimento dos direitos constitucionais assegurados ao preso". Além disso, a decisão levou em conta o fato de o homem estar em regime aberto por roubo quando foi detido pelo furto ao supermercado da Vila Mariana. No entanto, a Defensoria Pública alega que a juíza converteu a prisão em preventiva antes de ter acesso ao vídeo da abordagem.
O autor da filmagem que denunciou o caso disse ao GLOBO que o homem ficou amarrado por cerca de três horas. Segundo ele, que estava na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da Vila Mariana na madrugada de segunda-feira, para onde o suspeito foi levado, o homem estava gritando de dor e só foi desamarrado ao ser chamado para depor na delegacia. O autor do vídeo também relatou ter sido intimidado pelos agentes e levado à delegacia. O advogado José Luiz de Oliveira Júnior afirma que esse fato também configura abuso de autoridade dos PMs envolvidos.
Em nota, a PM lamentou o episódio e afirmou ter aberto um inquérito para apurar o caso. Os seis policiais envolvidos na ocorrência foram afastados.