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Economistas enviam carta a Lula sobre o risco fiscal

Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan ressaltam que as maneiras para cobrir o colchão social do país devem ser observadas para não criarem problemas maiores

Publicada em 18/11/2022 as 07:43h por Redação O Sul
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 (Foto: Divulgação)

Os economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, publicaram nesta quinta-feira (17) carta aberta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em que criticam as declarações recentes do presidente eleito sobre responsabilidade fiscal e suas críticas à atuação do mercado financeiro. O texto foi publicado pelo jornal “Folha de S. Paulo”. (leia abaixo).

 

O trio declarou voto em Lula nas eleições e diz que compartilha das “preocupações sociais e civilizatórias” do petista. Mas os economistas ressaltam que as maneiras para cobrir o colchão social do país devem ser observadas para não criarem “problemas maiores” ao povo brasileiro.

 

“Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil. O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver”, diz o texto.

 

Lula deu nova declaração criticando o mercado financeiro em discurso na COP27, que acontece no Egito. O petista desdenhou da reação do mercado ao texto da PEC da Transição, que prevê quase R$ 200 bilhões fora do teto de gastos para financiar a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600 e outras promessas de governo.

 

“Se eu falar isso vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar. Paciência. Porque o dólar não aumenta e a bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas é por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”, declarou Lula.

 

“Responsabilidade fiscal não é obstáculo”

 

Em resposta à fala do presidente eleito, Fraga, Bacha e Malan seguem o texto dizendo que a alta do dólar e a queda da bolsa não são “produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados”, mas sinal de “receio” dos provedores de crédito, e que o país passa a ser visto como um mau devedor.

 

“A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes. O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social”, diz a carta.

 

Os economistas afirmam que é preciso lembrar que o efeito de uma cotação mais alta do dólar traz arrocho aos salários por meio da inflação que “vem a reboque”. E dizem também que a bolsa de valores é “uma fonte relevante de capital para investimento real”, que financia crescimento.

 

“Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo”, dizem.

 

Os economistas dizem ainda que a tolerância com o “furo” no teto de gastos veio de uma premissa de que o novo governo precisaria dessa margem para organizar as contas do país. Mas acrescentam que “não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros”.

 

“O mundo aí fora está repleto de exemplos disso. Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem”, dizem.

 

Veja a íntegra da carta

 

Caro presidente eleito Lula,

 

Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

 

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

 

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

 

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

 

Vejamos por quê.

 

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

 

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

 

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.

 

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

 

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

 

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

 

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

 

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

 

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.

 

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

 

Respeitosamente,

 

Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan




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