Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) mantiveram na sexta-feira, por 11 a 0, a decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução de emendas parlamentares. Nos votos publicados ao longo do dia, em plenário virtual, os magistrados ressaltaram que um dos objetivos da Corte é reunir Executivo, Legislativo e Judiciário para negociar uma solução que privilegie a transparência. Além disso, a ideia é tratar do equilíbrio entre governo e Congresso na formulação e participação do Orçamento. O gesto, porém, não foi recebido como um sinal para o entendimento. Na Câmara, a reação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), veio de forma imediata.
O deputado decidiu dar andamento a duas propostas: uma que limita poderes de integrantes do STF em decisões individuais e outra que confere aos congressistas o poder de suspensão das decisões da Corte . Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi eleito em 2022 criticando o avanço do Legislativo sobre o Orçamento, voltou à carga e negou que haja uma “briga eterna” com os parlamentares.
— O que não é correto é o Congresso ter emenda secreta. Não pode ser secreta. Porque alguém apresenta emenda e não quer que seja publicizada, se é feita para ganhar apoio político. Eu acho que esse impasse que está acontecendo é possivelmente o fator que vai permitir a negociação com o Congresso — disse Lula, em entrevista à Rádio Gaúcha.
A determinação de suspender as emendas individuais, de pagamento obrigatório, não inclui recursos destinados a obras em andamento ou ações para atendimento de calamidade pública. Integrantes do Palácio do Planalto, contudo, temem que haja paralisação de algumas iniciativas.
‘Divergência’
Em meio ao julgamento, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, disse que há apenas “divergências”. Na madrugada de sexta-feira, o ministro chegou a negar um pedido do Congresso para derrubar a decisão de Dino. Assim, o assunto foi debatido apenas em plenário virtual.
— Nós vamos nos sentar à mesa e discutir diferentes possibilidades de realizar esses valores constitucionais. Portanto, não há conflito, há divergência, como é próprio da democracia, e nós vamos administrá-la da maneira mais civilizada possível — afirmou Barroso.
Em 2024, R$ 49 bilhões ficaram nas mãos do Congresso em emendas. Foram R$ 25 bilhões reservados para as emendas individuais, montante que inclui R$ 8,2 bilhões em emendas Pix; R$ 8,5 bilhões em emendas de bancada; e R$ 15,5 bilhões em emendas de comissão. O questionamento foi levado ao Supremo por uma ação apresentada pelo PSOL que questiona dispositivos de emendas obrigatórias.
A reação do presidente da Câmara, que decidiu enviar duas propostas que alteram a Carta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) já era precificada por integrantes do Supremo.
A cúpula do Congresso chegou a solicitar ao presidente do Supremo que a sessão de julgamentos convocada para a análise da liminar de Dino fosse adiada, mas o pedido não teve sucesso e a sessão foi mantida.
Umas das propostas destravadas por Lira veda decisões individuais que suspendam “ato do Presidente da República, do Presidente do Senado Federal, do Presidente da Câmara dos Deputados ou do Presidente do Congresso Nacional”. A proposta prevê apenas uma exceção, que é quando o Judiciário estiver de recesso. Ainda assim, a decisão individual precisará ser confirmada em plenário em até 30 dias corridos.
Essa proposta foi aprovada pelo Senado no ano passado, mas estava parada da Câmara desde então. Após a análise da CCJ, a proposta poderá ser debatida e votada no plenário da Câmara. A iniciativa é uma demanda antiga de parlamentares bolsonaristas, que queriam limitar o poder do Judiciário. Outra proposta dá aos parlamentares o poder de suspensão das decisões do Supremo quando considerarem “que a decisão exorbita do adequado exercício da função jurisdicional e inova o ordenamento jurídico como norma geral e abstrata”.
Na decisão endossada pelos demais ministros do STF, Dino considerou incompatível com a Constituição a execução de emendas ao Orçamento que não obedeçam a critérios técnicos. Também deixou claro que há uma invasão de competência do Legislativo ao acumular tanto poder.
“O equivocado desenho prático das emendas impositivas gerou a ‘parlamentarização’ das despesas públicas sem que exista um sistema de responsabilidade política e administrativa ínsito ao parlamentarismo”, afirmou o ministro na decisão.
Outras duas liminares dadas por Dino envolvendo emendas também foram referendadas no julgamento e tratavam sobre as transferências especiais, conhecidas como Emendas Pix. Elas foram proferidas nas duas últimas semanas e estabeleceram critérios para a realização dos repasses. Dino determinou a transparência e a “rastreabilidade” dos recursos.
Embora digam apoiar o debate por mais transparência, integrantes do governo têm expressado preocupação de que a sentença possa ter reflexos na interrupção de obras e afete políticas públicas pelos país. A Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ofício a Dino pedindo orientações aos gestores sobre como cumprir a decisão do ministro.
Auxiliares de Lula têm se esforçado em reforçar que não há digitais do governo na decisão de Dino, que foi integrante do governo até fevereiro, na pasta de Justiça.
‘Bom termo’
Ex-integrante do STF, o atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou na sexta-feira que há diálogo entre os Poderes.
— Os conflitos entre Poderes são conflitos artificiais. O Executivo, o Judiciário e o Legislativo dialogam — disse Lewandowski em evento do Grupo Lide no Rio. — É claro que numa democracia existem opiniões divergentes. Agora, por exemplo, sobre as emendas parlamentares. Tenho certeza que chegaremos a um bom termo nesse aspecto.
Durante a semana, Lula disse que a situação foi resultado da gestão anterior.
— Isso é resultado da desgovernança do governo passado, como (Jair Bolsonaro) não governava o Brasil, deixou o Guedes (Paulo Guedes, ex-ministro da Economia) cuidar da economia e o Congresso do Orçamento. Eu sou plenamente favorável dos deputados terem direito de ter emenda, com transparência.
Legislativo responde com PECs
Decisões monocráticas: a PEC enviada à CCJ veda decisões individuais que suspendam “ato do presidente da República, do presidente do Senado, do presidente da Câmara ou do presidente do Congresso”. A proposta prevê apenas uma exceção, que é quando o Judiciário estiver de recesso. Ainda assim, a decisão monocrática precisará ser confirmada em plenário em até 30 dias corridos.
Tramitação da proposta: aprovada pelo Senado no ano passado, a PEC que limita as decisões monocráticas dos magistrados estava parada na Câmara dos Deputados até a última quarta-feira, quando o texto foi enviado pelo presidente da Casa, Arthur Lira, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ou seja, antes da decisão de sexta-feira no Supremo Tribunal Federal.
Próximos passos do texto: após a análise por parte dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a proposta poderá ser debatida e votada na Casa. A PEC que limita as decisões monocráticas dos magistrados é uma demanda antiga de parlamentares bolsonaristas, que queriam limitar o poder de alcance do Judiciário.
Liminares também na mira: outra proposta, que dá poder para os parlamentares suspenderem decisões do Supremo, prevê que as decisões liminares podem ser suspensas pelo Congresso, caso os deputados e os senadores entendam que a “decisão exorbita do adequado exercício da função jurisdicional e inovao ordenamento jurídico como norma geral e abstrata”.