A Justiça Estadual do País tem registrado um aumento no número de processos sobre o chamado “estelionato sentimental”. Nele, a vítima é induzida a entregar bens ou valores para outra pessoa com a promessa de constituir uma relação afetiva.
Em 2023, foram 78 decisões citando com o termo. Até o mês de junho deste ano, já foram proferidas 51 decisões, o que indica que deve haver um aumento com relação ao ano passado, de acordo com pesquisa inédita do Trench Rossi Watanabe realizada na plataforma de jurimetria Inspira.
No Judiciário, as vítimas pedem reparação pelos danos materiais e danos morais decorrentes dos sofrimentos causados. O tema ganhou mais notoriedade depois do chamado golpe do Tinder, no qual a vítima é atraída por meio de encontro marcado pelo aplicativo de relacionamento e é sequestrada. Os criminosos chegam a esvaziar as contas bancárias de correntistas por meio de transações via Pix.
A tendência, segundo o Trench Rossi, é haver mais de 100 decisões até o fim do ano, um crescimento estimado de 28% em comparação com 2023. Em 2022, foram registradas 85 decisões, praticamente o dobro do ano anterior, 2021, com 46 decisões.
A advogada Fernanda Las Casas, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) destaca que esses casos aumentaram, principalmente entre as mulheres que trabalham, estão sozinhas, com boa condição financeira e usam redes sociais para buscar um relacionamento. “São relações que ficam no on-line, muitas vezes os encontros nem acontecem”, diz.
Depois de um tempo, afirma “o homem diz ter uma emergência, que aconteceu uma desgraça, para pedir dinheiro emprestado, porque a mãe adoeceu, porque precisa fazer uma cirurgia, precisa limpar o nome antes de casar com ela, quer montar uma empresa com ela de sócia para dar uma vida melhor”.
No fim da história, diz Fernanda, ou são abandonadas ou descobrem a fraude, que, em vários casos, já foi aplicada a outras mulheres. Atualmente, o estelionato sentimental é entendido como uma modalidade do crime de estelionato, tipificado no artigo 171 do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5 anos, que sobe para de 2 a 4 anos se a fraude for cometida com informações fornecidas pela vítima ou por meio de redes sociais. O Projeto de Lei nº 6444, de 2019, e que foi apensado ao PL nº 4229, de 2015, tenta tipificar o estelionato sentimental, mas aguarda apreciação do Senado.
O número de registros de estelionato, em geral, bateu novo recorde em 2023, com cerca de 1,9 milhão de ocorrências, de acordo com o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho. Um aumento de 8,2% em comparação com 2022, onde foram registrados em torno de 1,8 milhão de ocorrências.
Segundo as advogadas que fizeram o levantamento sobre estelionato sentimental, Fernanda Haddad e Giuliana Schunck, sócias da área de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do Trench Rossi Watanabe, as vítimas costumam sentir vergonha e, por isso, demoram para agir.
Isso faz com que, em alguns casos, os tribunais não reconheçam a prática de ilícito por ausência de provas de que a vítima tenha sido induzida a erro.
“É importante fazer um boletim de ocorrência, preservar as mensagens e áudios de WhatsApp e procurar um advogado para auxiliar de forma mais direcionada essa busca de provas para tentar obter indenização por danos materiais, morais, seguido de procedimento criminal, se for o caso”, diz Giuliana.
Como as vítimas em geral são as mulheres, Fernanda destaca a necessidade de maior regulamentação do tema. “A ideia é que esses casos não caiam na vala dos estelionatos comuns”, afirma. Nesse sentido, o Judiciário começou a aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que passou a ser obrigatório a partir de 2023.