O tapete azul do Senado já viu quase tudo. Mas a performance sobre aborto, na segunda-feira (17), garantiu lugar entre os pontos mais baixos de sua história.
A convite do bolsonarista Eduardo Girão, a contadora de histórias Nyedja Gennari encenou a voz de um feto em protesto contra a interrupção legal da gravidez.
Durante longos cinco minutos, o plenário virou palco de um teatro macabro e de má qualidade.
“Nããããão! Não acredito! Essa injeção! Essa agulha! Não! Quero continuar vivo!”, esgoelou-se Nyedja, que já foi assessora do senador bolsonarista Izalci Lucas.
Num jornal local de Brasília, ela é apresentada como uma profissional que “anima casamentos, aniversários, eventos e até conta história de mortos em velórios”.
Ela também escreve livros infantis. Em 2022, publicou “A cobra de Jurema”, um conto sobre uma cobra famosa por ter dentes. Foi assessora parlamentar e é professora da rede pública de ensino. Seus livros teriam sido traduzidos para o espanhol e o inglês, e teriam sido implementados em escolas de três países.
No Instagram, é seguida por mais de 25 mil pessoas e tem um perfil verificado. Lá, posta selfies e conteúdos que incentivam a doação de sangue. Também tem um canal no Instagram com 1,45 mil inscritos, em que faz contações de histórias.
Em um vídeo publicado após a repercussão, Nyedja confirmou que foi convidada por Girão para o debate no Senado, onde já realizou contações de histórias em outras ocasiões. Ela afirmou em um vídeo no Instagram que, para esta ocasião, foi contatada por Girão para fazer uma apresentação sobre assistolia fetal. Disse também que conheceu Girão por ser, assim como ele, espírita.
A sessão dessa segunda teve sete horas de duração, com transmissão ininterrupta na TV Senado e sem contraditório.
A dramatização antiaborto não foi o único momento constrangedor. O senador Girão voltou a exibir a réplica de um feto, antes de pedir um minuto de silêncio “em respeito aos bebês indefesos do aborto”.
O deputado bolsonarista Zacharias Calil usou uma seringa cenográfica para encenar uma assistolia fetal, método recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quando a gestação é interrompida após 20 semanas.
A senadora e pastora Damares Alves aproveitou para criticar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em maio, ele suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que impedia a prática da assistolia.
“A liminar do Alexandre de Moraes está valendo e crianças estão morrendo”, disse Damares.
Na decisão, Moraes afirmou que o CFM ultrapassou sua competência regulamentar e impôs às vítimas de estupro uma restrição de direitos não prevista em lei, “capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”.