Duas cidades do Rio já oferecem óleo de canabidiol na rede pública para tratar doenças como epilepsia e Parkinson. Volta Redonda e Búzios são pioneiras em fornecer o medicamento, juntamente com Armação de Búzios.O fornecimento do óleo tem auxiliado no tratamento de Beatriz Oliveira da Costa, assim como também lhe traz felicidade, já que o remédio lhe permite trabalhar.
Com paralisia cerebral, a designer gráfica usa os pés para produzir suas artes, mas as dores se tornavam tão intensas que já a impediam de fazer o que mais gosta. Até ela começar a tomar, este ano, o óleo de canabidiol, que a ajudou a exercer sua profissão novamente. Ela recebe o produto gratuitamente, em Volta Redonda, uma das cidades pioneiras no Rio, junto com Armação de Búzios, a distribuí-lo pela rede pública de saúde.Polêmicas, preconceitos e burocracias em torno do tema ainda impõem desafios à oferta da terapia. Mas os responsáveis pelos programas municipais garantem que, para enfrentar as barreiras, a motivação vem da melhora na qualidade de vida de pacientes como Beatriz.
“Eu tenho espasmos, e meus músculos são tensos, o que causa dores muito fortes. Então, passei a usar o óleo no lugar de um remédio que me fazia mal. Aos poucos, estou relaxando. As dores melhoraram uns 50%”, contou Bia. Em Volta Redonda, o fornecimento do produto a pacientes do SUS começou no fim de março, destinado, inicialmente, a pessoas com epilepsia refratária, transtorno do espectro autista, mal de Parkinson e doença de Alzheimer que não respondiam a tratamentos convencionais e com indicação médica para uso do óleo à base de canabinoides. Já são mais de 270 moradores atendidos. E a paciente número zero, que há 16 anos vive com o mal de Parkinson, já relata aos médicos a satisfação de voltar a realizar tarefas do cotidiano, como tomar banho sozinha e estender roupa na corda.
Percalços jurídicos
Mas, até que ela tivesse acesso às primeiras doses, a prefeitura precisou recorrer a inúmeras soluções diante de percalços, inclusive, jurídicos. Uma empreitada inaugurada quando o prefeito Antonio Francisco Neto, ao observar o resultado obtido por um parente de um amigo, virou um entusiasta de proporcionar o mesmo a quem não podia pagar pelo óleo —o mais barato não custa menos de R$ 200.
Uma lei local, de 2022, previu que o tratamento fosse oferecido na rede municipal de saúde. Desde 2015, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já permitia a importação, em caráter de excepcionalidade, de produtos à base de canabidiol por pessoas físicas, para uso próprio, mediante prescrição de médico legalmente habilitado. Posteriormente, foi autorizado ainda que o paciente se tornasse sócio de uma das associações para cannabis medicinal no Brasil ou comprasse em farmácias, onde o produto é ainda mais caro.
Mas a prefeitura avaliou que, pelas regras atuais, o município ainda não poderia fazer uma licitação, comprar e estocar o produto, sob pena de questionamentos de órgãos de controle. Para adquirir a primeira leva, a saída foi fechar uma parceria de R$ 120 mil com o Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), cujos professores da área de saúde acompanham os pacientes para a realização de pesquisas. Em outra frente, o prefeito angariou doações, na ordem de R$ 100 mil, entre empresários defensores da terapia, alguns com familiares fazendo uso do óleo. — O tratamento modifica a vida das pessoas. Via que os resultados eram interessantes, principalmente, para quem está na melhor idade, e aqui no município temos um olhar especial para os idosos. Mas só quem tem dinheiro tinha acesso — conta o prefeito, com a missão agora de juntar R$ 500 mil em doações para a compra de mais 1.200 frascos que darão continuidade ao programa na cidade.
Criação de benefício
No município, no entanto, também há dificuldades para manter a oferta. Mariana conta que foi feita uma licitação para que uma empresa especializada realizasse a compra referente ao atendimento dos pacientes por 12 meses, num contrato de R$ 2,2 milhões. Os frascos entregues atualmente são provenientes dessa aquisição. No entanto, a vencedora do certame desistiu da prestação do serviço. A prefeitura estuda juridicamente que resolução será tomada. Uma alternativa é adotar outro método: a criação de um benefício, de cerca de R$ 300, para que os pacientes possam, eles próprios, adquirirem o produto.
No Rio, cidades como Macaé e Cabo Frio já têm leis que abordam o uso medicinal do canabidiol. Já o Estado do Rio foi o primeiro do país a aprovar uma legislação específica, em 2020, para incentivo ao uso da cannabis medicinal. Na Assembleia Legislativa (Alerj), o projeto de Lei 3.019/20, de autoria do deputado Carlos Minc, institui uma política estadual de fornecimento gratuito de produtos à base de canabidiol a pessoas que não têm condições financeiras de arcar com os custos do tratamento. A proposta foi aprovada em primeira discussão no dia 5 de outubro.