Embalados pelo governo Lula, influenciadores de esquerda têm conquistado espaço numa rede dominada pelo bolsonarismo: o YouTube. Mas, apesar do vento favorável e de recorrer a táticas já usadas por apoiadores de Jair Bolsonaro, eles continuam atrás dos canais de direita.
O comediante Tiago Santineli é o símbolo do novo momento da esquerda na plataforma. Desde o início do ano, ele angariou 388 mil inscritos, superando a marca dos 800 mil seguidores. Foi o youtuber alinhado ao governo federal que mais cresceu na plataforma neste ano, segundo os dados da Novelo. O canal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em comparação, ganhou 110 mil adesões (8,94%).
Parte desses canais alinhados ao governo federal se apropria da estética bolsonarista para ganhar alcance no YouTube. Bandeira do Brasil, títulos apelativos e deboche com adversários são cada vez menos exclusividade dos apoiadores de Bolsonaro.
“Os títulos são em caixa alta e têm exclamações, e o thumb quase sempre tem uma combinação de imagens alegres dos políticos apoiados e de “desespero” dos atacados”, afirma Guilherme Felitti, cofundador do estúdio de análise de dados Novelo Data.
Santineli faz parte desse grupo. Ele diz reproduzir técnicas aperfeiçoadas pela direita radical, como vídeos curtos repletos de informação para serem disseminados pelo WhatsApp, por exemplo.
“Uso a mesma estética deles. É tudo consciente. Os bolsonaristas têm uma linguagem extremamente agressiva, e do lado de cá não tinha ninguém revidando. Eles não tinham nenhum limite. A gente tinha todos”, afirma ele.
O youtuber de perfil polêmico entrou na mira dos bolsonaristas depois de veicular uma paródia do filme “Bastardos Inglórios” em que os nazistas são substituídos por apoiadores do ex-presidente. Santineli foi acusado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de “pregar ódio aos conservadores”. Santineli foi processado três vezes por conta do conteúdo, e tenta converter a ofensiva em audiência.
Canal informativo
No segundo lugar está o empresário Eduardo Moreira. Mais voltado à informação do que ao entretenimento, ele ganhou 247 mil inscritos durante este governo. Tanto o seu canal pessoal como o de sua empresa, o Instituto Conhecimento Liberta (ICL), que compartilham o mesmo conteúdo, contam com oito horas de programação ao vivo diária, com conteúdo voltado a finanças e investimentos.
“Quando as pessoas queriam saber sobre investimento, dinheiro no banco, não tinha nenhum site de esquerda falando disso. Agora tem”, diz Moreira, cuja empresa, que oferece 240 cursos a R$ 47 por mês, tem custo mensal de R$ 3 milhões, com 150 funcionários diretos e indiretos.
Em terceiro lugar, o Plantão Brasil se assemelha, à primeira vista, a páginas de direita radical, com referências patrióticas, títulos em caixa alta e desinformação. A conta ganhou 230 mil seguidores em 2023.
Direita mantém embalo
Há canais de direita cujo desempenho foi impactado pela troca de governo, diz Felitti, que cita o caso de Bolsonaro, que perdeu 90 mil seguidores. Mas, de modo geral, eles mantêm índices maiores de crescimento: os dez canais da extrema direita que mais ganharam seguidores em 2023 somaram o dobro (4 milhões) de adesões que os do governismo.
No topo está o apresentador Tiago Pavinatto, cujo canal passou de 9 mil para 857 mil inscritos. A maior “adaptação” de canais de direita pode ser explicada pela arquitetura do sistema operacional. A plataforma insufla a radicalização dos usuários, aproximando rapidamente pessoas com interesses em ideias conservadoras a conteúdos ainda mais extremistas, de acordo com estudo publicado por Rebecca Lewis, pesquisadora de Stanford, em 2018.